quinta-feira, 24 de março de 2016

PEJI, BANHOS DE ERVAS, ORAÇÕES, CANTOS E A CONSCIÊNCIA PRESENCIAL DO EU


Uma boa parte da tradição religiosa da Umbanda está concentrada nos cantos e orações, na criação do seu Peji particular. Um outro componente essencial para sua participação ativa dentro de um terreiro é a consciência presencial, o seu comportamento em comunidade. Bora, então, falar um pouco sobre isso.

No livro "O poder dos candomblés: perseguição e resistência no Recôncavo da Bahia" do autor Edmar Ferreira Santos (que pode ser adquirido gratuitamente, aqui), a palavra PEJI seria originária da língua fon "Kpeji", que significa "sobre o altar". Portanto, o Peji não é apenas uma mesa para colocar os objetos que você ganha no terreiro (imagens, pedras, cristais, etc) ou colocar o potinho da vela para rezar. Um Peji é muito mais que isso. O Peji de um médium é um ponto de força espiritual que protege sua casa, sua família e garante a manutenção da Tradição quando estamos afastados do terreiro.


O exemplo acima, é o meu próprio Peji, lá em algum momento de 2013 porque um Peji deve estar sempre em movimento e sendo modificado conforme as necessidades de energia da sua casa e do médium. Conheço várias histórias de preconceito sobre a presença de um Peji em casa. Se a sua família é católica ou de qualquer outra religião, pode haver conflito. Quando comecei meu Peji, choveram reclamações sobre "trazer negatividade para residência" e até uma sugestão amorosa de colocar o Peji na lavanderia, do lado da máquina de lavar! Se este for o seu caso, lembre-se que as pessoas ignoram o significado de um Peji e tente conversar. Em último caso, continue rezando no Peji do terreiro que você frequenta até que o momento adequado de ter o seu aconteça. Importante: sempre evite brigar sobre religião, principalmente com quem não está realmente interessado, ok?

Existem alguns preceitos para colocar o Peji em casa como a direção (Norte, Sul, Leste ou Oeste), deve ser uma mesa sem gavetas e coisas assim. Porém, nem sempre a pessoa vai ter o espaço necessário para isso. Se você mora em apartamento, a coisa fica pior ainda. Tradicionalmente, o Peji deve estar na posição onde o Sol (Oxalá) nasce, ou seja, Leste. O simbolismo disso seria que o médium nasce todos os dias para sua Iluminação (assim como o Sol), espalhando Luz por onde passa e não as Trevas. 

Tudo isso é muito bonito mas pouco prático quando se vive em um "apertamento" com quartos pequenos. Converse com o seu dirigente sobre isso para encontrar o melhor lugar para o seu Peji, dentro das suas possibilidades. Minha dica é colocar um "Sol" no seu Peji que pode ser na forma de uma escultura ou um tapete em frente ao Peji para se ajoelhar durante a reza. O importante é manter a cabeça firme, sempre.

BANHO DE ERVAS


Ainda existem terreiros que aconselham a não lavar a cabeça ao tomar banho de ervas e não posso deixar de comentar a falta de sentido nisso. A cabeça é o local mais sagrado do médium na Tradição porque é nela onde fica o seu Ori, sua energia vital, etc. O Ori (falaremos em outro artigo sobre ele) é um ponto de energia central muito sensível e este seria o motivo de se tomar banho apenas da cabeça para baixo. Porém, se "Sua cabeça é seu Guia", uma frase popular que teve sua origem no Candomblé, então é lá mesmo que o Banho de Ervas precisa atuar. Ao meu ver, cabeça e corpo não andam separado por aí. Novamente, depende do terreiro e é preciso respeitar a Tradição disso. 

Banhos de Ervas só podem ser passados pelo dirigente do Terreiro ou pela sua entidade (e, mesmo assim, com aprovação posterior do dirigente), portanto, não invente. Como dito acima, um banho com uma erva de um Orixá específico pode "zoar" legal a cabeça de um médium que nem conhece suas Linhas de Atuação ainda. Os banhos sempre têm como objetivo o equilíbrio do médium e o seu desenvolvimento. Existem banhos para aproximar as entidades que estão sendo trabalhadas, banhos para afastar negatividade e coisa e tal. Existem banhos para atrair a sua Linha de Esquerda e banho para te proteger contra ataques espirituais. Tem banho pra tudo. Se gosta da coisa, converse com um médium mais experiente (grau superior) e peça por alguns banhos leves de descarrego para stress, insônia ou algo assim. Sempre com a aprovação do dirigente, ok?

CANTOS E REZAS 


O cantor americano Bobby Mcferrin tem uma frase que eu gosto muito: s vezes, meu canto é uma reza e minha reza é um canto". Acredito que seja por aí. Existem milhares de Pontos de Umbanda que foram resgatados do passado e adaptados, outros que passaram por modificações em cada Terreiro e as difíceis rezas que vem do Candomblé, escritos em Yorubá e que nem sempre possuem tradução para todos. No Terreiro que participei, muitos pontos foram escritos pelos Ogãs e compositores da comunidade. O que importa é a sua concentração na energia que vai transformar o ponto ou a reza em um polo gerador de energia positiva

Do meu ponto de vista, cante e reze o que te inspira, o que te emociona. Sozinho, ajoelhado na frente do seu Peji, o canto é seu. Mas evite cantar alto em lugares públicos (como no seu emprego) se isso causa constrangimento para alguém. Uma corrente que sabe cantar bem os pontos, é uma corrente forte e uma gira mais forte ainda. Concentre-se, pratique e chame outra pessoas para ajudar a afinar a voz e encontrar a vibração certa para determinado canto. Rezas para Nanã, por exemplo, são como uma canção de ninar, em tom baixo e sereno, enquanto cantos para Ogun e Caboclo são cheio de energia e alegria contagiante. Se o seu Terreiro tem Ogãs, não tenha vergonha de pedir ajuda. Rezas e cantos são poderosas ferramentas para se atingir um grau de incorporação e quanto mais você aprender, melhor.

CONSCIÊNCIA DO EU NO TERREIRO


Quem vivencia um Terreiro, já sabe: é uma loucura. Existem centenas de coisas acontecendo ao mesmo tempo e a maioria delas não são do seu conhecimento. Tem médium que só chegou a tarde, tem outro que passou a noite lá, tem o que vai ficar depois que você for embora. Se você tem vidência, pode até ver o choque de energias se cruzando o tempo inteiro e não apenas durante a Gira. Um Terreiro é uma "caixa de força" que reúne energias nem sempre em harmonia. Vamos descobrir porquê não. E a resposta é bem simples.

Do ponto de vista espiritual, um Terreiro concentra energias das entidades mas também dos médiuns. Cada médium é um ponto de força em si mesmo, um elo da corrente que forma uma Gira e um Terreiro. E tem o médium desempregado, o que brigou com a namorada e até mesmo aquele que preferia estar na praia naquele dia de sol. Todos convivendo no mesmo espaço, com seus desejos e ambições (que podem ser positivas ou não), precisando preparar a Gira, limpar os espaços ou fazer uma reza. São diversos humores de vida em contraste, todos os dias em que tem Gira. Sentiu a responsabilidade do dirigente e dos médiuns mais graduados para manter esse ambiente em harmonia (quase) perfeita? É aqui que você entra.


Consciência Presencial do Eu é um termo bem chique pra dizer que todo o médium é responsável pela harmonia de um Terreiro, começando por si mesmo. Minha participação no Terreiro tinha uma regra básica: do portão para dentro, os meus problemas não existiam. E quando não conseguia atuar dessa forma, eu avisava que não podia ir. Simples assim. Consulentes vão no Terreiro para serem cuidados pelos médiuns porque acreditam que o médium é mais "resolvido", mais "elevado", coisas assim e para serem auxiliados. Eles esquecem que somos pessoas que podem ter problemas também e não estamos lá para lembrá-los disso mas para fazer nosso trabalho. O foco deve e precisa ser esse.

Pode ter certeza que você vai receber a sua própria ajuda das entidades no tempo certo mas o foco sempre será o consulente. Eu costumo dizer que quando entramos no Terreiro, somos o primeiro da fila e quando nos tornamos médiuns, vamos lá pro final (se der tempo). Uma maneira fácil de entender isso é saber que você está sendo desenvolvido o tempo inteiro e o consulente, não. Nem todo consulente vai virar médium. Ela vai, resolve o problema e pode não voltar mais. Para o médium de Umbanda, o desenvolvimento começa no tratamento que oferece dentro do Terreiro, na cortesia com todos e na alegria verdadeira da participação. Cara feia e falta de disposição não combinam com a energia de um Terreiro, ok?

Espero que estas dicas possam te ajudar. A Consciência Presencial do Eu é aquela onde "Eu" sirvo antes de ser servido e não é fácil de conquistar. Com a prática, você vai descobrir que esse "Eu" só é possível através do "Outro" que precisa da nossa assistência. Boa sorte com isso e até o próximo artigo.
Axé!

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